São Valentim, o dia do Amor ou o dia da dor?

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Era uma vez uma Princesa que sonhava em encontrar um Príncipe perfeito e viver feliz para sempre.

Era uma vez um Príncipe que sonhava em encontrar uma Princesa perfeita e viver feliz para sempre.

É verdade… por mais que ninguém se lembre ou que os homens não o admitam, da mesma maneira que as mulheres anseiam por um príncipe, também os homens sonham com uma princesa, embora a representação interna seja pessoal para cada um de nós. Ou seja, o sonhos e anseios do masculino são normalmente diferentes do feminino.

O que todos precisamos é de actualizar os nossos conceitos do que são afinal príncipes e princesas…

O dia dos namorados é aquele dia em que confrontamos todas as nossas fantasias, ilusões e sonhos no que toca ao tema do Amor, com a frieza da realidade nua e crua.

Sejamos de que geração formos, todos crescemos a ouvir histórias de encantar, cheias de exemplos morais da vitória do bem contra o mal, dos crimes que não compensam, do amor para sempre, da importância dos valores morais como a amizade, a honestidade, a justiça e muitos outros em que víamos os maus terem o seu castigo e os bons a sua recompensa.

Muitas dessas ilusões foram caindo por terra perante a realidade do mundo, conforme fomos crescendo. Fomos assim actualizando esses conceitos, aprendendo a diferenciar a ilusão da realidade, a que valores queremos ser fieis, independentemente da aparente injustiça ou até desumanidade por parte dos outros nos acontecimentos que vamos vivenciando.

Curiosamente, há uma ilusão a que teimosamente nos agarramos.

Uma que tanto nos desestabiliza. Aquela que nos trás as melhores sensações de pertença, segurança e amor, mas também as maiores dores que o ser humano pode sentir como a indiferença, a rejeição, a traição.

Esta teimosa ilusão continua a alimentar e inspirar livros, filmes, músicas e peças de teatro por esse mundo fora.

Aquela ideia, crença, esperança, imagem/fantasia ou o que quer que lhe chamemos, que obviamente o ser humano se recusa a desistir e que tanto nos faz subir ao Paraíso como nos atira cruelmente para o inferno;

Acreditar que é possível viver uma história de Amor verdadeiro, puro, perfeito e correspondido…para sempre!

Todos continuamos a acreditar, num qualquer grau de intensidade, em histórias de Amor.

“Juntos e felizes para sempre” ainda é aquele conceito que por mais que a vida nos comprove que simplesmente não existe, nós teimamos em querer provar o contrário numa esperança teimosa e sem fim.

Ilusões responsáveis pelas respetivas desilusões.
Apegos responsáveis pelos abandonos.
Dependências responsáveis por traições.

Ninguém nos ensinou que se depositássemos tanta Fé, esperança e optimismo na nossa pessoa, na nossa valorização interior, no nosso crescimento e desenvolvimento pessoal, na nossa capacidade de sermos felizes e de estarmos bem connosco próprios, chegaríamos então às relações em estado de amor próprio e equilíbrio e então elas teriam mais oportunidade de serem saudáveis.

Estamos a entrar num tempo em que só agora começamos verdadeiramente a olhar para dentro, para nós próprios, para as nossas sombras. Só agora começamos a enraizar o conceito e a tomar consciência de que somos responsáveis pela nossa felicidade, pelo nosso equilíbrio, pela nossa valorização e em última análise, pelo nosso respeito e sucesso no mundo material. Independentemente se estamos numa relação com alguém ou não.

Sei que é uma imagem pouco romântica e até solitária do amor e a tentação de o encontrar facilmente no outro é gigante. Mas se aos 20 ainda alimentamos essa expectativa, a maioria das pessoas na casa dos 40 sabe bem que só o amor e respeito próprio, são o verdadeiro caminho da felicidade. Se há alguém a partilhar do mesmo o conceito ao nosso lado, perfeito.. Se não a viagem terá que acontecer sozinhos.

Basta olharmos para a geração dos nossos avós para vermos o quanto imaturo era o conceito de Amor perante o recente o conceito de Amor próprio, de desenvolvimento, consciência e responsabilidade pessoal..

O Século XXI destronou o conceito de relação como prioridade e substituiu pelo indivíduo e suas propostas de evolução pessoal. Antes sacrificavam-se os indivíduos em prol do casamento. Hoje sacrifica-se o casamento em prol do indivíduo.

Só aos poucos vamos ajustando as lentes com que fomos ensinados a perceber o conceito de Amor só possível a dois para que o novo conceito de Amor Próprio assuma a prioridade.

Se há 100 anos o Sr. Walt Disney se tivesse lembrado de criar uma princesa com amor próprio, com respeito para consigo mesma, com a Natureza, com as Estrelas e com os animais, autónoma, independente, alguém que representasse a importância de da ligação com a nossa Alma e que estudasse as Leis Cósmicas e as propostas e evolução pessoal, quem sabe teríamos recebido essa mensagem mais cedo e não haveriam tantas desilusões.

A diferença positiva que tinha feito se ele tivesse deixado a mensagem de que o mundo é um espaço de crescimento e evolução e o objectivo seria usá-lo como um palco onde iríamos revelar os nossos dons e desenvolver todo o nosso potencial.!

Ideal teria sido o Sr. Disney mostrar que tanto príncipes como princesas precisam primeiro aprender a honrar as suas essências, tomar consciência dos seus potenciais, assim como das suas sombras e só depois desse trabalho feito, escolherem com qualidade com quem querem partilhar os seus castelos.

Curioso observar como todos absorvemos as mensagens daqueles filmes e, falando mais em nome das meninas, crescemos a acreditar que se a Gata Borralheira teve a “sorte” de arranjar um príncipe perfeito, porque não terei eu a mesma sorte também?

Pena a história da gata borralheira não ter um seguimento para vermos como estaria a sua história de amor 20 anos depois…

O Sr. Disney trouxe muita fantasia e ilusão, mas fomos nós que não soubemos manter separado o mundo  real do mundo imaginário e que insistimos em querer que a vida seja um conto de fadas. Os dilemas / problemas relacionais cheio de desilusões que vemos à nossa volta e nas nossas vidas, é apenas o preço que pagamos por perdermos o nosso centro e por trocarmos a realidade por uma fantasia.

Ao contrário da história da gata borralheira, primeiro casamos na ostentação e à imagem da Princesa, gastando fortunas em cerimónias milionárias, para acabarmos uns anos depois como gatas borralheiras.

Enquanto não analisamos as nossas crenças e nos questionamos o que afinal nos leva a agir, somos simplesmente levados inconscientemente por elas.

Sei que não é o texto mais romântico do mundo para o dia dos namorados, mas tem a intenção de despertar a consciência individual para que os encontros a dois tenham mais qualidade e realidade e menos fantasia e ilusão que só gera dor e sofrimento a longo prazo.

À parte da meia dúzia de apaixonados que irão passar o dia em estado de felicidade digno do dia do Cupido, a maior parte estará, ou sozinha ou mal acompanhada, suspirando interiormente pelo dia da libertação da desilusão amorosa ou quando a “sorte” lhe irá bater à porta.

Aos primeiros deixo um lembrete, gozem o momento, estejam abertos para a dualidade e verdade do outro, evitando assim idealizações e lembrem que nada é para sempre… nem nós nem o outro é metade de alguém e se há encantamento pelo lado maravilhoso do outro, mais cedo ou mais tarde a sombra irá revelar-se de ambas as partes. Somos seres inteiros, completos que através das relações temos a oportunidade de partilharmos e celebrarmos a diferença que nos caracteriza.

Aos que estão sozinhos ou mal acompanhados deixo um consolo e um convite; – Enquanto não houver trabalho interior, a frustração, a rejeição ou a relação tóxica será o sinal externo dessa desconexão interna. Enquanto não houver fragilidade e verdade não haverá uma relação ao nível da Alma, enquanto não houver consciência superior de que o outro jamais irá preencher o nosso vazio, será uma relação manipuladora, enquanto não houver Amor-próprio não iremos amar ou ser amados por ninguém, enquanto não assumirmos e incorporarmos dentro de nós os príncipes e as princesas que tanto ansiamos, enquanto não vivermos à altura da mais elevada versão de nós próprios, jamais os iremos atrair do exterior.

O espectáculo a que assisto todos os dias, são sapos a ansiar por Princesas e gatas borralheiras a ansiar por Principies.
Chegou o tempo de crescer e de nos tornarmos responsáveis pelas nossas ilusões/desilusões, para que possamos ser homens e mulheres conscientes, responsáveis pela sua plenitude, disponíveis para criar parcerias de respeito, liberdade, amor e qualidade.

É desafiante abrir mão da ideia de que o “felizes e juntos para sempre” é uma ilusão. Mas acredito que sempre é menos doloroso do que a dor da desilusão, quando percebemos que não amámos nem fomos amados por quem somos, mas sim por uma idealização que fizemos do outro e que o outro fez sobre nós.

Príncipes ou princesas à parte, lembremos sim no dia do Amor, que o Amor é um estado de Ser e não de ter, e é sempre, mas sempre, uma dádiva. Nunca uma carência. O verdadeiro amor a dois manifesta-se quando dois seres já expressam não apenas o amor que sentem um pelo outro mas o amor que SÃO individualmente, em plena sintonia a dois.

Só depois de construirmos o nosso castelo interior com os tijolos do amor próprio, do respeito pessoal, da liberdade de sermos quem somos e da responsabilidade sobre as nossas fundações, podemos então construir em belo castelo a dois.

Sabendo isto, a nós cabe-nos ir fazendo a nossa parte, ir trabalhando arduamente no nosso castelo interior afastando de vez a questão das ilusões fantasiosas e dolorosas do panorama amoroso.

Feliz dia do Amor!
Vera Luz

Mais informações sobre o tema das relações no texto abaixo:

Onde anda a minha Alma-gémea?

 

Imagem de Ylanite Koppens por Pixabay

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