Estamos no século XXI, somos testemunhas do fim de um século, vimos a virada de um milénio e estamos a assistir de camarote à transição da Era Peixes que durou 2000 anos para a Era de Aquário.
É um tempo extraordinário, mas também por isso desconfortável, capaz de desarrumar tanto a nossa vida interior como exterior.
Fazemos parte das gerações “sandwich” ou seja, aquelas que ainda trazem bem viva a memória do velho mundo, mais simples, menos intenso, menos barulhento, mas vivemos hoje num outro muito barulhento, acelerado demais para que a Vida, eventos e encontros, possam ser devida e positivamente processados.
A maior parte das mulheres de hoje já carrega nas suas veias através das mães ou avós, a revolução dos anos 60, a libertação e o empoderamento pessoal, tendo em conta que o feminino até ali, era maioritariamente submisso e serviçal.
Conquistámos direitos e foram ajustadas leis que nos permitiram estudar, votar, viajar, divorciar, trabalhar, candidatar a qualquer emprego, ou seja, viver sozinhas, se assim o escolhermos.
A mulher pode hoje, caso assim escolha, ser independente, livre, dona do seu dinheiro, capaz de viver, viajar, criar, educar os seus filhos, ser empreendedora, política, cientista, jornalista, advogada e tantas outras profissões, enquanto continuam a ser mães, cuidadoras e nutridoras da família.
Para os que ainda fazem confusão quando o tema da mulher ou feminismo vem ao de cima; o novo tempo não veio dizer que a mulher não precisa do homem para ser feliz ou se realizar.
Veio sim dizer que a mulher passou a ter a escolha de decidir se quer dividir a sua vida com alguém ou estar sozinha com os seus recursos pessoais, liberdade e responsabilidade pessoal. Escolha esta que não existiu durante séculos pela falta de valorização e empoderamento pessoal.
Esta introdução toda serviu para que lance hoje, no dia da Mulher, a pergunta que mais me atormenta na minha vida de terapeuta;
– Porque então sobrevive ainda tanto o chamado Síndrome de Cinderela?
Embora o termo já diga tudo, o Síndrome de Cinderela assenta numa idealização romântica exagerada, fruto do princípio da Polaridade Sagrada Yin Yang que defende que os opostos se atraem e complementam-se.
Segundo os princípios Taoistas, o mundo foi criado a partir das duas forças Masculina e Feminina e ao unirmos as duas, tornamo-nos inteiros, completos, divinos, plenos, capazes de gerar luz e abundância permanentes.
O facto de encarnarmos femininos ou masculinos, cria em nós uma sensação de vazio, uma ilusão de que nos falta a outra parte e se ninguém nos educou e relembrou que o resto que nos falta, está dentro de nós mesmos, aí vamos nós procurar fora, no outro, o complemento que nos “falta”.
No entanto é uma ilusão procurar esse complemento fora de nós. Se nascemos mulher precisamos integrar o masculino interno, se nascemos masculinos, precisamos integrar o feminino interno.
Nunca, jamais dependeremos de ninguém para nos tornarmos inteiros. Podes ler mais sobre este tema aqui
No entanto esta ilusão da busca do complemento no outro, por ser provavelmente muito tentadora, foi explorada das mais variadas formas;
A ignorância sobre as leis que regem a polaridade sagrada
Nos romances e histórias de amor eterno da ideia de “juntos para sempre”
Nas telenovelas e filmes com finais felizes
Nas crenças do papel romântico das almas gémeas
Na religião com o casamento para sempre
No valor da fidelidade projetado apenas no outro ao invés de se manter em nós mesmos
Nos filmes da Disney onde a princesa “precisa” de ser salva
Na fragilidade da imagem feminina vs força física da imagem masculina
Na imagem da enfermeira que salva o homem ferido
Nas histórias de Heróis quase sempre masculinos
No princípio de um Deus masculino projetado depois no homem pai e marido
No homem que só vê na mulher a “mãe” e não uma parceira de igual para igual e muito menos uma mulher empoderada
O objetivo deste texto no dia de hoje é, mais do que celebrar o dia, um convite para que pensemos neste tema e porque num tempo tão rico em mudanças e espiritualmente consciente, as consultas continuam cheias de Cinderelas deprimidas, cheias de DESiluões desta ancestral ilusão?
Porque continuamos a criar expectativas em relação ao outro que terá que ser
amigo+cozinheiro+ouvinte+terapeuta+marido+pai+respeitador+cuidador+protetor+romântico, ou seja, perfeito em tudo e mais alguma coisa?
Porque continuamos a usar as crianças como pretexto para fugirmos ao divórcio?
Porque o sacrifício de aturar uma relação tóxica ainda é mais nobre do que a coragem de libertá-la?
Porque continuamos a ver o divórcio como um “falhanço” dos planos do juntos-para-sempre e não apenas um simples fim de algo, uma escolha de rota diferente, um apelo por algo novo, um processo de morrer e renascer tão essencial à nossa evolução?
Porque não incentivarmos os jovens a descobrirem o seu lugar no mundo social, profissional e financeiro pessoal, antes das suas aventuras mais sérias relacionais?
Porque não aceitamos a ideia que essas relações perfeitas que idealizamos, simplesmente não existem?
Quando vamos reconhecer que as relações com mais qualidade são precisamente as que têm oxigénio e liberdade de serem postas em causa?
Como já tenho dito várias vezes, um padrão sobrevive enquanto nos for inconsciente. Só depois de trazido à consciência é que poderemos analisá-lo e então escolher mantê-lo ou mudá-lo.
Este padrão da Cinderela não é de agora. Aliás é mesmo muito antigo e pelas razões acima citadas, foi e continua a sobreviver de pais para filhos, de mães para filhas, de vida para vida.
Quantos casais com casamentos de 40, 50 ou 60 anos são um sucesso social, mas tenho observado que essas relações pagaram o preço da liberdade individual e levam o vazio de não terem cumprido o seu propósito pessoal espiritual.
Muito haveria para explorar mais e melhor o tema. Nada tenho contra relações duradouras e amorosas, mas para que tenham qualidade, a Cinderela interna terá que desenvolver a sua Guerreira interna e não depender de relação nenhuma para esse papel. O mesmo se aplica ao Príncipe Guerreiro que precisa desenvolver o seu lado feminino para não acabar prisioneiro de uma projecção externa.
Empoderamento pessoal é uma proposta humana, sejas homem ou mulher, mais Yin ou mais Yang.
Procura identificar onde, como, com quem ainda projectas as tuas carências, onde ainda há dependências, a quem ainda cobras seja o que for, de quem ainda esperas o quê. Liberta cada uma dessas cordas e investe em descobrir como já és inteira e maravilhosamente completa!
Feliz Dia da Mulher
Imagem Pixabay